Observatório Capixaba das Águas e do Meio Ambiente
14 de março de 2024
Manifesto
Vivemos um momento crítico no processo de desumanização provocado pelo acirramento das contradições capitalistas em todo o mundo. Além de todas as perversas consequências do prolongamento da crise mundial do capital sobre as classes trabalhadoras, como o desemprego, a precarização das relações de trabalho e os cortes na proteção social, uma área essencial à vida no planeta está também sob sério risco, devido ao avanço na degradação ambiental e à negação do acesso livre e universal à água potável. Ao contrário dos discursos na defesa das novas políticas de regulação do uso da água, do Novo Marco Legal do Saneamento, das alterações no Código Florestal e na legislação ambiental de uma forma geral, a universalização e a qualidade dos serviços públicos nessas áreas tem sido o que menos importa.
Tudo isso foi ainda mais impulsionado a partir das cúpulas mundiais que resultaram no Protocolo de Kioto, pactuado por quem efetivamente detém o poder de decisão, em 1997. Convencidos de que seria muito difícil chegarem a um acordo multilateral sobre a redução do nível de emissões de gases de feito estufa e de outros poluentes, as elites mundiais resolveram criar a noção do poluidor pagador, sob o argumento de criarem instrumentos racionais de compensação da poluição produzida, especialmente pelos grandes investimentos industriais e do agronegócio. O primeiro esforço midiático foi utilizado para convencer o mundo de que seria realmente possível compensar a emissão de poluentes, a partir da precificação do volume dos gases emitidos, com o objetivo de criar linhas de crédito para o financiamento de projetos de preservação ecológica em todo o mundo, dentro do modelo de por Serviços Ambientais (PSA).
Os critérios para a certificação dos projetos de compensação incluem, inclusive, a monocultura de árvores das próprias empresas agroindustriais, como as plantações de pinus, eucalipto, entre outras. A comprovação da capacidade desses projetos na fixação de carbono ficaria a cargo de ONGs que operam em nível internacional, ou seja, controladas pelo grande capital.
Consquências imediatas do PSA
Resultou desse grande arranjo internacional a consolidação de um extenso e poderoso mercado de títulos de carbono, consequente da expansão dos negócios de PSA, em todo o planeta. Logo, governantes e elites empresariais passaram a se organizar para constituir, especialmente nas regiões periféricas, eleitas pelo grande capital como receptoras dos projetos de compensação, as condições para se adequarem às novas modalidades de serviços ambientais captadores dos títulos de carbono. A grande novidade seria a criação de fundos públicos operados com gestão privada, para a seleção dos projetos prioritários, sejam estes de reflorestamento com árvores nativas, ou, plantaçõesexóticas em regime de monocultura, pouco importa, desde que sejam capazes de atrair pagadores por serviços certificados como ambientais.
Com o tempo, ficou cada vez mais nítido que o tal Protocolo de Kioto criou, na verdade, mais uma grande oportunidade pra a especulação parasitária. Perceba, uma vez fechados os contratos de médio e longo prazos, para o pagamento por serviços ambientais, quem controla os projetos de compensação passa a deter o direito a recebíveis (no futuro), ou seja, uma quantidade de títulos que passam a lastrear apostas especulativas sobre uma diversidade de preços nos mercados de futuros. Com isso, esta passa a ser a base real para a chamada Economia Verde, dominada que está pela especulação com títulos derivativos.
No entanto, essas novas modalidades de especulação, a partir da mercantilização da natureza, não está restrita ao PSA, evolvendo os projetos tidos como de fixação de carbono. Gradativamente, o domínio das apostas com títulos derivativos alcançou amplos segmentos de serviços antes considerados como exclusivos do Estado, o que vem forçando um intenso processo de privatizações, seja de forma explícita, pela alienação do patrimônio das empresas estatais, ou por novas modalidades de concessões de serviços públicos.
Como dito anteriormente, o que menos importa é a efetivação de compromissos assumidos publicamente por governantes com a universalização e a qualidade do atendimento de serviços essenciais. Vejamos o caso do saneamento ambiental.
As PPPs no tratamento da água e do esgoto
Os dados do Censo 2022, divulgados recentemente, demonstram o agravamento das condições de vida das famílias mais carentes, especialmente no que se refere ao acesso à água e aos serviços de saneamento ambiental. Tem ficado cada vez mais nítido que as investidas dos conglomerados multinacionais, em busca do controle das águas e da exploração mais intensiva do patrimônio natural, exercem grande pressão sobre os governos para elevar a flexibilização das normas de proteção socioambiental. Forjam, com isso, as condições para que os investimentos realizados nos territórios ocorram de forma a concentrar a infraestrutura e os serviços, em processo de privatização, nos bairros em que residem membros das classes sociais mais privilegiadas.
As experiências de Parcerias Público-Privadas (PPP) no abastecimento de água e no saneamento básico demonstram nitidamente essa segregação, na medida em que estão ficando de fora boa parte das favelas urbanas, bem como as comunidades que vivem nos territórios dos povos tradicionais.
A alteração na legislação que regula a exploração do patrimônio natural surge no Brasil, num momento em que a senilidade do capital, força, via Banco Mundial, a mercantilização da água e da natureza como oportunidade de especulação parasitária, por meio da conversão deste patrimônio natural em produtos em escassez absoluta. A difusão da proposta de pagamento por serviços ambientais e da água, ganhou força, na medida em que os grandes conglomerados, com seus grandes bancos, perceberam o potencial especulativo que adviria a partir do controle das outorgas, que passou a ser a base para criação dos mercados de água.
De um lado, a mercantilização significa forçar uma aparente escassez da água, demarcando que seu uso passa a ser determinado pelas famílias e empresas que podem pagar por ela. Segundo um relatório, de 2016, enviado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) à Agencia Nacional de Águas (ANA), as propostas de reforma nas normas de regulação do uso dos recursos hídricos no Brasil identificam na água um limite ao crescimento econômico. Não há referências aos reflexos que as novas medidas levariam às famílias em geral, pois, elas visam privilegiar o aumento do consumo de água pelas grandes empresas. A orientação tem sido a adoção de uma cobrança que, em tese, racionalizaria o uso, sobre ótica de um mercado de água, o que foi consolidado a partir da aprovação da nova legislação pelo Brasil.
De outro lado, todo esse movimento vem favorecendo o surgimento de novas oportunidades para a especulação parasitária. Num primeiro momento, os bancos perceberam os nichos de especulação que poderiam surgir com a centralização do controle sobre o mercado de títulos de outorgas para o uso da água. Depois, com a expansão das Parcerias Público-Privadas, no novo modelo de concessões de serviços de tratamento de água e esgoto, logo foram criados produtos especulativos a partir da emissão de debêntures, pelas sociedades de propósito específico, que passaram a ser o padrão de personalidade jurídica própria do novo paradigma.
A credibilidade do novo modelo se baseia na garantia de investimentos públicos diretos em infraestrutura básica e na abertura de linhas de crédito subsidiado (BNDES, Caixa, entre outros), para financiar as contrapartidas das empresas concessionárias. A emissão de debêntures, que são títulos de dívidas das grandes empresas, nessa nova abordagem de financiamento, significa, na prática, a geração de novos recebíveis nas mãos de credores públicos e privados, impulsionando ainda mais os mercados de derivativos. Assim, os grandes bancos ganham como sócio fundador das novas sociedades de propósito específico, ganham na colocação das debêntures conversíveis em ações no mercado de crédito e ganham especulando nos mercados de futuro com os derivativos lastreados nesses títulos privados de dívida.
Diante dos fatos expostos torna-se emergente a junção de esforços sociais para a constituição de uma organização, que inicialmente chamaremos de Observatório Capixaba das Águas e do Meio Ambiente, entidade que terá como objetivo subsidiar e apoiar as lutas das organizações populares, comunidades e coletivos que se encontram em luta contra as investidas do grande capital, na expropriação do patrimônio natural, cujo uso universal constitui a essência da vida.
Nossa proposta tem sido organizarmos esforços, numa modalidade de parceria entre movimentos sindicais e populares, que tenham como princípio o apoio à luta contra toda forma de privatização dos serviços essenciais à vida, bem como à criação de instâncias de decisão que incorpore e viabilize a realização do direito humano à participação popular informada.
Nossos compromissos
A criação institucional do Observatório está orientada para ações concretas de estudos, pesquisas e difusão de conhecimentos sobre as experiências pautadas pelos modelos da chamada Economia Verde, bem como acerca das buscas exitosas por alternativas a este paradigma imposto pelas agências multilaterais. A proposta tem sido subsidiar as lutas populares e sindicais, para fortalecer o enfrentamento às agendas oficiais, atualmente muito mais voltadas a privilegiar os interesses do grande capital predatório.
A partir do objetivo geral exposto acima, propomos:
- A pactuação de uma agenda mínima consensual, com a definição de prioridades de ação coletiva, procurando, assim, contribuir para a ampliação das oportunidades de efetivação dos princípios da participação popular livre e informada;• A pactuação de uma agenda mínima consensual, com a definição de prioridades de ação coletiva, procurando, assim, contribuir para a ampliação das oportunidades de efetivação dos princípios da participação popular livre e informada;
- Organizar institucionalmente o Observatório Capixaba das Águas e do Meio Ambiente (nome provisório), constituindo instâncias operacionais e de deliberação participativa, preliminarmente proposta nos seguintes termos:
-
Mantenedoras: entidades sindicais e populares
-
Pessoal técnico-operacional: contratação
-
O Observatório proposto seria constituído como instituição civil, com
caráter jurídico adequado as suas propostas de ação, em pelo menos três
etapas
-
Etapa inicial:
instalação e contratações financiadas pelas mantenedoras;
-
Etapa de amadurecimento:
busca por inserção social a partir de propostas objetivas de estudos e
ações; procura por formas de autofinanciamento, especialmente, via
projetos de captação de recursos institucionais;
-
Etapa de aprimoramento:
maior inserção social e avanço nas pesquisas e na mobilização em torno
das pautas populares pela preservação das águas e do meio ambiente;
- Definirmos uma estratégia de comunicação, entre os membros da rede e de âmbito social, utilizando, inclusive, processos de formação e de difusão democrática de tecnologias da informação;
- Buscar registrar e difundir o conhecimento acumulado sobre as experiências de adequação aos modelos impostos pelas agências multilaterais, com foco nas modelagens implantadas em nível regional, com adesão das administrações municipais;
- Ampliar os estudos sobre alternativas exitosas ao sistema imposto como modelo universal de economia verde;
- Nos comprometermos com uma estratégia de captação de recursos institucionais, para viabilizar a realização das ações agendadas;
- Nos reunirmos em caráter ordinário, anualmente, e, também, em caráter extraordinário, quando convocados;
- Manter atualizado o cadastro dos representantes da instituição no OGA Brasil;